O vento bate na goiabeira, e eu da janela do quarto sinto o cheiro da vida entrando.
O sol se desmancha sobre meu corpo, e sinto a fotossíntese da vida me abraçar.
No quintal, tenho um céu todinho sozinho para mim.
A vida segue lenta como rio que navega em paz nas asas da calma.
A palmeira ao vento sacode as madeixas prum lado e pro outro, lá no cume da serra.
A vida é um pecado gostoso de se viver, quando esse pecado não agride aos outros.
Que o cigarro corrompa só meus pulmões.
Que a cachaça estrague só o meu fígado.
Que meus erros caiam sobre mim.
Que os pecados sejam como bumerangue, e que voltem, para cobrar ao pecador, feito uma guilhotina afiada ao pescoço.
Que meus pecados não ultrapassem meu muro.
Que meus erros não sejam além da minha carne e da minha arte.
Que eu faça, que eu pague.
Quero ser o gavião que por instinto caça.
Quero ser feito peixe que por destino nada.
Quero que a natureza seja uma ponte entre a carne e a alma, arte, teatro.
Quero dançar, valsas, não quero sangrar, lágrimas.
Quero o sorriso de uma boca sem interesse além dos lábios.
Quero contemplar o céu, deitado sob uma árvore frondosa, ao som de uma cachoeira vadia.
Não quero saber de tristeza, a vida e breve, e brevemente passa.
Que o sal das lágrimas reguem o luto da morte.
Quero ser analfabeto, miserável, e só entender de mercado, de vida e de gente, picadeiros.
Quero que minha vida necessite de pouca coisa, de louças, panos de prato e comida trivial.
De preferência, a própria vida em si, seja.
Não quero ir à Europa, conhecer a torre Eiffel, pois ainda não conheço nem os segredos das esquinas e calçadas da minha cidade.
Não sinto necessidade de passaporte, só de tragos.
Minha cidade já tem muitos pássaros e flores, rosas e riachos, para eu catalogá-los e desfrutá-los.
A minha Disneylândia é a Barragem Raiz.
Ainda estou procurando entender a vida dos bairros, e do barro.
Não sou cidadão universal, sou matuto do mato.
Os meus amigos, que viveram do outro lado, são Sócrates, Platão, Aristóteles, Dante Alighieri, Dostoievski, Franz Kafka… são esses caras, que já não estão mais por lá.
Uma das personagens, que mais admiro, na literatura brasileira é o Cortiço, da obra o Cortiço.
Primeiro quero conhecer Castro Alves, depois irei atrás de Saramago.
Primeiro quero ler e reler Lima Barreto, depois procurarei o Pessoa em Portugal.
Quero conhecer de perto o sabiá de Gonçalves Dias, depois, talvez, quem saber, irei ao cisne negro do cinema.
Eu gosto mesmo é de bem-te-vi, papa-capim, bigode torneiro e vim-vim.
O galo-de-campina me deixa à vontade dentro da mata, juro.
Não entendo de nevada, pois nasci na Chapa do Corisco, no oco sol escaldante.
Sou sapecado de areia quente dos pés à cabeça.
Não preciso de moletom para me embrulhar, preciso mesmo é do tom da sanfona de Luiz Gonzaga em Asa Branca.
Meu país me basta, é continental.
Não pretendo, nem quero mais nascer, mas se tivesse de novamente arrebentar, quero nascer aqui neste sertão feito de cinza, de gente e de paisagens cinzentas.
Amo o cinza da mata seca, sertão.
Entendo mesmo é de melancia, não de morango.
O mundo que trago no espelho da mente é extremamente exótico e caótico, onde as pessoas são de carne, e osso e arte.
(Neto Karnissa)