Estou em casa guardado, limitado, pelo limite frio do caderno no fiado, mas sou imenso, imensidão, e não posso viver algemado pelo troco e pelo trocado. Minha imaginação é enorme, balão inflado, bexiga que vara o espaço e não se conforma em viver dentro do quadrado, dentro da caixa, em arame farpado. Meus passos vivem de viagens, velejando pelo bares, não cercado de cercados mas na ilusão bela do trago. Sou um ser alado, desempregado, não um cavalo piado, no expediente da tarde, algemado. Trago olhos de coruja, perscrutando toda sala, salada, na escuridão da noite, em trezentos e sessenta graus. Levo olhos de lice, que detecta a presa ínfima do alto da montanha, nos mínimos detalhes, ditos no sabor da carne. Sou detalhista em retalhos, migalhas, em guardanapos sobre a mesa, sujos de batom e lábios.
Meu coração vive em pedaços, fiapos, vidraças, porque gosta de assistir tragédias românticas em lágrimas na última cadeira do teatro. Vim para provar a mais rústica realidade, assim sendo convivo bem com o azedo, o doce e o salgado. Não tenho medo das garras da águia no sofrimento da carne, nem nos labirintos da alma, pois estou blindado. Vim para provar as feridas nas dores da carne e o brilho das estrelas na liberdade dos astros. O espinho serve para riscar o suco da carne e para traçar, na areia da praia, o mapa da alma. Vim para ser extraviado pelos lábios tarados, que traem com o beijo na face. Os sapatos são a escrita fina e bruta dos dias nas pegadas deixadas na areia da alma. Sou feito de teias de aranha e de poeiras sobre a carne, que caem das estrelas, que brilham em mim e no alto.
Antonio Neto Sampaio (Neto Karnissa)